Declaração Universal dos Direitos Humanos: quem ganha e quem perde?

Conceitos podem ficar confusos sobre quem se beneficia mais ou menos

Publicado em 15/12/2023 - 07:15 Por Eliane Gonçalves - Repórter da Rádio Nacional - São Paulo

Se você já foi criança, deve ter ouvido aquela canção do Chico Buarque, um clássico da música brasileira em que os Saltimbancos - um cachorro, uma gata, uma galinha e um burro - falam sobre o que eles entendem por cidade.

Bom, se não ouviu… eu já adianto, cada um tem uma ideia muito diferente… como diz a letra da canção, uma coisa de louco…

Com o conceito de direitos humanos também é um pouco assim...

Meu colega, o Thiago Padovan, foi às ruas e perguntou: O que é direito humano para você?

Direito humano? Acho que é você contribuir com as suas obrigações e você tem seus direitos. Porque as pessoas querem ter direitos, mas não querem ter seus deveres.

É o direito de todos. De todas as pessoas. Todas as pessoas.

Eu quero igualdade social e eu não tenho igualdade social.

É um conjunto de leis, regras, normas que a gente montou pra manter os direitos... os nossos direitos em pé.

E os conceitos podem ficar ainda mais confusos com outra pergunta… 

E quem você acha que no nosso país mais se beneficia dos direitos humanos?

São as pessoas que menos contribuem para que as coisas funcionem. São as pessoas que vivem de vitimismo.

São aqueles mais que… os que tem, né? Os ricos. Porque os pobres são esquecidos e a gente tem o mesmo direito que eles também né?

Com certeza não são as pessoas que tem menos recursos. Hoje quem tá se beneficiando dos direitos humanos são aqueles que exploram os seres humanos.

Acho que os bandidos. Porque eu vejo muito prende, solta. Eu acho que a lei tá errada entendeu?

 

Direitos humanos para humanos direitos. Quem nunca ouviu essa expressão?

É que esse é o pensamento de um terço da população brasileira que acredita mesmo que quem mais se beneficia dos direitos humanos são os bandidos. 40% dizem que quem menos se beneficia são os pobres. E metade da população brasileira tem certeza que não ganha nada com direitos humanos. Os números estão em uma pesquisa divulgada no ano passado pela ONU mulheres.

Alguns dos discursos sobre os direitos humanos, eles vêm muito de um desconhecimento sobre o que significam esses direitos e como esses direitos estão presentes no dia a dia de todas as pessoas, né? Então eles são importantes para todos é e a gente precisa ter um olhar especial para esses grupos que são historicamente vulneráveis, historicamente marginalizados, que têm ainda menos acesso a políticas públicas e precisam de mais proteção do estado, né? Como como provedor desses direitos.

Essa é a Moema Freire, coordenadora e Governança e Justiça do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Para ela, todo mundo sai ganhando quando os direitos humanos são postos em prática.

São direitos que dizem respeito a todos os indivíduos independentes da sua condição social da sua localização geográfica, isso é muito importante ter em mente. Primeiro eles eles garantem um conjunto de direitos dos indivíduos para que eles possam existir como pessoa, então dignidade básica, de educação, de saúde, mas também uma proteção do estado. Então ele impõe limites da atuação do estado, para que não haja violações da liberdade das pessoas, e ao mesmo tempo garante condição, por exemplo, para que as pessoas possam participar na vida pública, possam votar, possam participar nas definições com relação às políticas públicas. E ter acesso, por exemplo, a bens culturais, a preservação do meio ambiente.

Christhian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, acha que dois aspectos colaboram para essa visão distorcida sobre direitos humanos. Primeiro o que ele chama de patrimonialismo.

É a ideia de que no Brasil as leis tem dono. As leis pertencem a algo, alguém, algum sistema de interesse que é responsável por defInir a sua aplicação ou não. O escopo da sua aplicação, os regimes de excepcionalidade e que, portanto, a lei no sentido daquilo que governa o espaço público, ela é smpre interpretada como um privilegio.

O segundo aspecto é uma forte tradição autoritária

A nossa incapacidade histórica de perceber transformações democráticas e regressões democráticas. Soluços democráticos. A gente teve períodos anteriores, desde a proclamação da República até a abolição da escravatura em que os ganhos democráticos são sentidos como benesses senhoriais: alguém que está concedendo, deixando, dando uma certa dignidade para o outro.

Para o historiador Marcos Tolentino, a saída é a educação.

A discussão dos direitos humanos é uma discussão que não necessariamente faz parte dos nossos sistemas educacionais. É importante a gente falar de direitos humanos na escola. Não só para evitar interpretações equivocadas sobre o que essa discussão significa, sobre o que tá por trás desses direitos. Mas também para gente entender que nós todos somos beneficiados por termos esse guarda-chuva dos direitos humanos, reconhecido pelo estado brasileiro, por termos leis que garantam os nossos direitos.

E aí, pra fechar essa história, vou pedir a ajuda de quem está na linha de frente da defesa dos direitos humanos.

Eu sou Neidinha Bandeira, sou ativista da Canindé, que é uma associação de defesa dos direitos humanos e da natureza.

O direito humano pra mim é o direito à vida e ao território. Isso significa que você tem que ter garantido saúde, educação, moradia. Seu território protegido. Demarcação das terras indígenas e dos quilombos. Respeito à decisão das pessoas. Respeito à sua religiosidade, à sua espiritualidade. Diretos humanos é tu garantir às pessoas todos os aspectos da sua vida. Isso pra mim é tudo.

Com a produção e reportagem de Thiago Padovan, sonoplastia de José Maria Pardal.

Ouça a primeira reportagem da série: Declaração Universal dos Direitos Humanos: onde ela está na prática?
Ouça a segunda reportagem da série: Declaração Universal dos Direitos Humanos: defensores em risco
Ouça a terceira reportagem da série: Declaração Universal dos Direitos Humanos: violência policial impune
Ouça a quarta reportagem da série: Declaração Universal dos Direitos Humanos: preconceito e transfobia

Edição: Beatriz Arcoverde

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