Declaração Universal dos Direitos Humanos: violência policial impune

Desde a ditadura militar até hoje, Brasil é conivente com atrocidades

Publicado em 13/12/2023 - 07:15 Por Eliane Gonçalves - Repórter da Rádio Nacional - São Paulo

Nossa declaração se apresenta como o protesto mais vigoroso e necessário da humanidade contra as atrocidades e opressões das quais milhões de seres humanos foram vítimas ao longo dos séculos, principalmente durante as duas últimas grandes guerras.

Esse é um trecho do discurso do jurista francês René Cassin, em Paris, no dia em que foi aprovada a Declaração Universal do Direitos Humanos pela ONU, em 1948. Cassin é um dos principais autores do texto. Ele lutou na primeira guerra mundial e testemunhou o holocausto da segunda. A barbárie catalisou a necessidade do compromisso firmado há 75 anos.

Mas apesar das promessas, as atrocidades persistiram. Vietnã, em 1968. O Genocídio de Ruanda em 1994, os bombardeios a Gaza, na Palestina, em 2023.

E o Brasil, durante a ditadura militar, também permitiu atrocidades.

São Paulo, 20 de novembro de 1970.

Um estudante secundarista que lutava contra a ditadura militar é preso e levado para o recém-criado DOI CODI.

A primeira coisa que acontecia com a pessoa presa aqui, ela era, já ainda no pátio, já era colocada pelada. A partir daquele centro ali, as pessoas, os presos, já estavam pelados. Já estavam sendo torturados. Pelo simples fato de atravessar o pátio e esperar aqui e subir. E aqui encima funcionavam, então, as salas de tortura.

Sou Emilio Ivo Ulrich. Sou filho de imigrantes polonoses e alemães. Nascido no interior do Rio Grande do Sul, lá em São Valério do Sul. Publicitário e sociólogo, que virou político.

53 anos depois, Emílio voltou ao DOI CODI para essa entrevista. O prédio de três pavimentos com grades no lugar de portas e num pátio que hoje serve de estacionamento foi um dos maiores centros de tortura da ditadura militar. Emílio superou a dor física, mas ainda carrega as marcas da desumanização:

Uma noite que eu já tinha passado muito tempo no pau de arara, tinha passado para a cadeira do dragão, palmatória, choque elétrico e eu não consegui parar de pé. Então eu fiquei de quatro pé. Eles colocaram a coleira no meu pescoço e com a cordinha eles me puxaram até o chuveiro. Enquanto eu era arrastado, me chutavam a bunda, faziam gozação, brincavam: ‘dá um osso que ele levanta!’. Um instrumento de tortura que realmente acabou comigo foi isso. Porque eu fui transformado em um cachorro!

Quem comandou a sessão de sadismo foi o coronel Brilhante Ustra, que chefiava o DOI CODI. Aquele que foi o militar homenageado por Jair Bolsonaro no impeachment de Dilma Roussef.

Segundo a Comissão Nacional da Verdade, 434 pessoas morreram dentro do DOI CODI. Emílio não sobe as escadas que levam até as salas onde foi seviciado por 30 dias.

Eu não subo lá. Eu só subi a primeira vez, anos atrás, durante o trabalho da Comissão da Verdade. Me arrebenta. Eu não consigo.

Mas o trauma não é apenas individual.

O trauma é um destino. O trauma é um desafio subversivo, ele envolve um trabalho subjetivo, pessoal, mas também coletivo, um trabalho em que a memória reabilita as relações. Nossos vizinhos argentinos tiveram uma ditadura um pouco depois da nossa e você vai no Parque do Prata e você encontra 30 mil nomes de pessoas que foram desaparecidas durante a ditadura militar. Onde é que estão os nossos memoriais?

Esse é o psicanalista e professor do instituto de psicologia da USP Christhian Dunker.

Jamais em tempo algum, depois da ditadura militar, nós fizemos uma reforma na nossa polícia. Ela é educada, ela é formada, ela mantém a mesma cultura daqueles que há 40 anos eram torturadores profissionais. Ou seja, nenhum dos torturadores foi julgados, o Brasil foi o último país a ter uma Comissão da Verdade, e ela foi bloqueada na divulgação dos resultados.

E sem passar a limpo a história, os erros se repetem e os direitos mais básicos ficam no papel.

Maurício Monteiro, sobrevivente do massacre da Casa de Detenção de São Paulo. Sou educador e mediador no Espaço Memória Carandiru.

Esse é o Maurício, sobrevivente do Massacre do Carandiru em 1992.

Direito a vida tirado de 6.429 pessoas que morreram em intervenções policiais só em 2022. Uma média de 17 pessoas por dia, sendo que 8 a cada 10 dos mortos eram pessoas negras. As policias mais letais estão no Amapá, Bahia e Rio de Janeiro, nessa ordem. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Publica de 2022.

Com a produção e reportagem de Thiago Padovan, sonoplastia de José Maria Pardal.

Ouça a primeira reportagem da série: Declaração Universal dos Direitos Humanos: onde ela está na prática?
Ouça a segunda reportagem da série: Declaração Universal dos Direitos Humanos: defensores em risco

Edição: Beatriz Arcoverde

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